Blumenau
Sistema de transplantes de SC é destaque na Revista Veja
Hospital Santa Isabel é citado como principal referência nos processos
O estado de Santa Catarina serve de exemplo em organização e eficiência no sistema de transplantes de órgãos. A Revista Veja da última semana aborda o tema em matéria de capa e revela que o modelo catarinense é comparado ao de países de primeiro mundo. O estado tem o maior número de doadores efetivos do Brasil. O número atual, de 16,7 doadores por milhão de habitantes, corresponde à média nacional estipulada pelo Ministério da Saúde para 2015.
Um dos principais vetores desse crescimento nos processos, o Hospital Santa Isabel também é destaque da reportagem. A organização tem serviços de excelência em transplantes de fígado e, em 2008, foi a segunda equipe que mais realizou operações nesse sentido, de acordo com a revista. Com 91 cirurgias realizadas, o HSI ficou atrás apenas do Hospital Albert Einstein, de São Paulo, que fez 95 operações.
Com o apoio do Hospital Santa Isabel, o estado se tornou campeão nacional de transplantes hepáticos.
Histórias de pessoas que passaram pelo desafio dos transplantes e as dificuldades de convencer algumas famílias da importância da doação também são citados na publicação. Abaixo, você confere na íntegra a matéria que destaca o sistema de transplantes catarinenses e os processos realizados pelo Hospital Santa Isabel:
Uma história de dedicação e sucesso
Como Santa Catarina se transformou no estado brasileiro com o maior número de doadores efetivos de órgãos
Eram 4h20 da tarde de 21 de julho de 2001 quando a dona de casa catarinense Margarida Fritzke recebeu a notícia de que sua filha, Raquel, entrara em morte encefálica. Aos 20 anos, a moça não resistiu a uma cirurgia no cérebro para a retirada de um tumor na glândula hipófise. Ao comunicado de que os órgãos da jovem poderiam ser doados e, dessa forma, salvar vidas, a mãe manteve-se inflexível e irredutível: "Ninguém mexe em minha filha. Ela será enterrada inteira". Seis anos e quatro meses se passaram e o que parecia improvável aconteceu. Num exame de rotina, aos 15 anos, Denis, o segundo filho de Margarida, foi diagnosticado com um tumor raro de fígado. Diante da constatação dos médicos de que só um transplante salvaria o menino, a mãe desabou: "Percebi ali o enorme erro que havia cometido ao me recusar a doar os órgãos de Raquel. Cheguei a pensar que eu não merecia a chance de salvar meu filho. Luto todos os dias para não me deixar dominar pela culpa". Inscrito na fila para a recepção de um fígado, Denis foi operado em apenas quinze dias. Se a família Fritzke não morasse em Santa Catarina, Margarida provavelmente teria perdido seu outro filho por falta de doadores. Nos demais estados brasileiros, a espera por um fígado varia de um a dois anos, e Denis tinha, conforme os prognósticos mais otimistas, apenas três meses de vida.
O sistema de transplantes de Santa Catarina é exemplar. O número de doadores efetivos do estado é o mais alto do país. Santa Catarina fechou 2008 com 16,7 doadores por milhão de habitantes, enquanto a média nacional é de minguados sete doadores por milhão de habitantes. Por doador efetivo entenda-se o corpo pronto para a retirada dos órgãos, quando já foram vencidas todas as etapas do processo de captação – do diagnóstico de morte encefálica à manutenção do corpo na UTI, passando pela autorização familiar. "Ninguém morre numa fila de espera por falta de médicos, hospitais ou remédios", diz Joel Andrade, coordenador da Central de Transplantes de Santa Catarina. "Morre-se por falta de órgãos." No caso específico do fígado, a morosidade da fila é ainda mais perniciosa. "Dias a mais de espera costumam ser determinantes", afirma o cirurgião hepático Julio Cesar Wiederkehr, do Hospital Santa Isabel, em Blumenau. "Não há tratamentos paliativos para quem chegou ao ponto de precisar de um transplantepático." Como em Santa Catarina a fila por um fígado é mais veloz do que no resto do país, o estado se tornou o campeão nacional dos transplantes hepáticos.
Tal velocidade fez com que vários pacientes optassem por esperar um novo órgão em Santa Catarina. Há duas condições para que uma pessoa se candidate a um transplante: ela só pode estar inscrita na lista de um hospital e morar num raio de até 60 quilômetros do local onde ocorrerá a cirurgia. Em janeiro passado, a professora Olga Marcondes, em companhia do marido, Ernizio, deixou a casa, os três filhos e o neto em São Paulo e mudou-se para um flat na cidade de Blumenau, o principal centro catarinense transplantador de fígado. Aos 56 anos, vítima de uma cirrose autoimune, ela ingressou na fila dos transplantes paulista em 2005. "Até outubro do ano passado, no entanto, o pessoal de São Paulo não era capaz de me dar uma previsão de quando chegaria a minha vez de ser operada." A expectativa é que ela receba um novo fígado em julho, no máximo. Assim como Olga, 10% dos 100 pacientes na lista catarinense são "estrangeiros".
Até cinco anos atrás, Santa Catarina era apenas mais um estado brasileiro a sofrer com a falta de doadores e as dificuldades de captação e distribuição de órgãos. Em 2004, o número de doadores era de sete por milhão de habitantes, o equivalente à média brasileira. A reviravolta começou a partir do momento em que os coordenadores da central de transplantes decidiram colocar equipes especializadas em captação de órgãos nos hospitais com centros de neurologia, justamente para onde são encaminhados os pacientes em morte encefálica.
Determina a lei federal que todo hospital com mais de oitenta leitos deve ter uma comissão com foco na doação. Hoje, em Santa Catarina, 90% dos hospitais com serviço de neurologia contam com um grupo de profissionais treinados em captação de órgãos – independentemente do número de leitos. Além disso, a maioria dos coordenadores dessas equipes são intensivistas. Faz todo o sentido. São os médicos das UTIs os primeiros a fazer o diagnóstico de morte encefálica de um paciente. Se eles estiverem engajados num programa de transplantes, dificilmente deixarão de comunicar a existência de um doador em potencial. Das mais de 10 000 mortes encefálicas registradas no ano passado no país, apenas a metade foi notificada. Em Santa Catarina, sete em cada dez diagnósticos de óbito são informados.
Decretada a morte encefálica, o primeiro passo é informar a família e pedir autorização para a doação. Segundo dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (Abto), apenas 1% dos parentes de eventuais doadores é abordado. "Muitos profissionais ainda ficam constrangidos em tocar nesse assunto, temendo aumentar o sofrimento da família", diz o cirurgião Sergio Mies, chefe da equipe de transplantes do Instituto Dante Pazzanese, em São Paulo. Geralmente, a solicitação é feita por uma pessoa com a qual os parentes não têm nem tiveram nenhum contato durante a internação – o que, num momento de luto, aumenta a probabilidade de recusa. Para diminuir esse risco, o sistema catarinense prevê que o contato entre a equipe de captação e os parentes do possível doador seja feito assim que ele entrar na UTI. "Paciência é a palavra de ordem", diz a enfermeira Solange Aparecida Ramos, uma das responsáveis pela abordagem familiar no Hospital Santa Isabel, em Blumenau.
No início, os profissionais se colocam à disposição para esclarecer qualquer dúvida sobre a condição da pessoa internada. O passo seguinte se dá quando os médicos retiram a sedação do doente, a fim de constatar se o cérebro já está inativo. Durante esse processo, que dura, em média, seis horas, uma psicóloga procura os familiares para consolá-los. A palavra "doação" só é dita pela primeira vez doze horas mais tarde, quando todos os exames necessários para comprovar a morte encefálica foram concluídos. "É mais simples conseguir uma autorização de quem já nos conhece", diz a psicóloga Rosi Meri da Silva, do Hospital Santa Isabel. As estatísticas comprovam a importância de uma abordagem mais humanista. No último ano, a queda nos índices de recusa familiar em Santa Catarina foi de 53%. No resto do Brasil, de 37%.
Autorização concedida, dá-se início a outra batalha: a de conservar os órgãos do paciente morto em condição de serem transplantados por meio de ventilação artificial, doses de medicamentos a intervalos regulares e litros e mais litros de soro. Do contrário, o organismo entra em falência cardiorrespiratória e os órgãos se deterioram por falta de oxigênio. Santa Catarina, mais uma vez, detém um dos melhores índices de manutenção de corpos para transplante. Lá, de cada 100 pacientes em morte encefálica, quase 80% se conservam em condições ideais para o transplante. Em São Paulo, o aproveitamento é de 60%.
De um sistema eficiente, faz parte necessariamente a abnegação profissional – e a dos médicos, enfermeiros e psicólogos catarinenses chega a ser emocionante. Por incrível que pareça, a excelência nas cirurgias hepáticas foi conquistada pela única equipe de transplante de fígado existente no estado: a do Hospital Santa Isabel, em Blumenau. Somente em janeiro passado foi criado um segundo grupo de especialistas nessa área, o do Hospital São José/Fundação Pró-Rim, em Joinville. Em 2008, no que se refere ao número absoluto de cirurgias, a equipe pioneira ficou atrás apenas de um dos melhores centros de saúde do país, o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Os catarinenses fizeram 91 transplantes e os paulistas, 95.
Um dos maiores responsáveis pela proeza é o cirurgião Mauro Igreja. Em companhia do motorista Carlão, a bordo de um Gol 2006, 89 000 quilômetros rodados, o médico zanza de um lado para outro do estado, num raio de até 300 quilômetros de Blumenau, na tarefa de captar os órgãos para transplante. Distâncias maiores são percorridas em helicópteros ou jatinhos. A dedicação de Igreja é tanta que ele faz questão de participar também do transplante dos órgãos captados. Em geral, o médico que capta não opera. Em setembro do ano passado, ele participou de dezesseis transplantes hepáticos e de mais dezesseis cirurgias para a retirada de órgãos. Saldo total: 100 horas num centro cirúrgico, duas multas por excesso de velocidade e dezesseis vidas salvas.
Fonte: Noticenter, Revista Veja
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